A eterna disputa entre gramáticos e linguistas sempre me causou reações diversas, que variam, geralmente, entre o deboche e uma forte preocupação. Quando leio os trabalhos de Evanildo Bechara, gramatico de renome, e de Marcos Bagno, linguista de ampla carreira acadêmica, percebo equilíbrio e embasamento para versar sobre o ensino de língua portuguesa no Brasil. As produções escritas de ambos, como de todos os intelectuais que assumem o entendimento linguístico ou gramático, costumam ser equilibradas, salvo exceções, porém no debate público onde estas duas formas de se entender a língua portuguesa se acham representadas por grandes nomes, frequentemente há uma disputa de egos inflamados onde a arrogância e falta de dados é notória. Não penso em resolver tal dilema, pois tomo a advertência de Horácio, grande poeta latino, quanto diz : vocês que escrevem ,tomem uma tema adequado as suas próprias forças.

De fato a língua sempre está mudando e esta mudança é resultado do uso que os falantes realizam da língua no seu cotidiano. Não cabe ser radical e crer que a gramatica padrão deve ser algo sacro a ser obedecida sem questionamento, pois ela deve ser questionada e atualizada segundo, claro, critérios técnicos claros e precisos e nunca ideológicos. Como diz Bagno: “Outro modo interessante de romper com o círculo vicioso do preconceito linguístico é reavaliar a noção de erro” (Grifo meu) (P.122) e, óbvio, que a questão deve ser compreendida com o que se traduz como adequado e não adequado de acordo com a situação comunicacional presente , digo, situações formais de fala e escrita versus situações informais; errado cabe quando a referência é a gramática, sendo esta de extrema importância para a unidade da escrita nacional e, nisso os gramáticos acertam, a aplicação correta das normas gramaticais na escrita e na retorica é uma ferramenta poderosa de ascensão social que não pode ser negada e para que o aluno a domine se faz necessário que no ambiente de aula este seja corrigido, esclarecido sobre o uso da gramatica através de produções textuais, explicação de regras e uso da literatura brasileira que demonstre aos alunos um nível de escrita, uso vocabular e sintático, convergente com a gramatica padrão (embora as continuas reformas ortográficas tornem tal ponto complicado).

Convém a advertência do excelente Evanildo Bechara:

 O que, de modo algum, compete à linguística é ser o pelourinho da gramática tradicional, apontando-lhe os erros, mas não a enriquecendo com sucedâneos mais eficazes […]. Infelizmente, muita gente não traça com a devida segurança os limites desses campos, e transforma, assim, a aula de língua portuguesa numa aula de linguística,(negrito, nosso)de objetivos bem diferentes.” (BECHARA, 2004, p.58)

Hoje toda uma sorte de erros gramaticais dispostos em situações formais está perdoada através do uso quase sacro do termo: Preconceito Linguístico. Sempre que um novo termo inglês é usado (fake News em lugar de boatos) e surge o questionamento da razão do uso, já que há um termo em língua vernácula apropriado e de carga semântica igual, a discussão é de logo finalizada pela palavra de ordem: enriquecimento linguístico; ora, colocar um termo inglês por modismo e desconhecimento da língua vernácula, somente empobrece e não enriquece a língua. Não se pode usar a linguística como desculpa para tornar a sala de aula uma torre de babel, onde todas as variações linguísticas possuem o mesmo peso e a gramatica padrão é desmerecida; tenha-se em conta ser o ambiente escolar, quase certo, o único espaço para aprendizagem da norma culta.

Ivanildo Bechara em entrevista oferecida a revista Veja pontuou:

Ninguém de bom-senso discorda de que a expressão popular tem validade como forma de comunicação. Só que é preciso que se reconheça que a língua culta reúne infinitamente mais qualidades e valores. Ela é a única que consegue produzir e traduzir os pensamentos que circulam no mundo da filosofia, da literatura, das artes e das ciências. A linguagem popular a que alguns colegas meus se referem, por sua vez, não apresenta vocabulário nem tampouco estatura gramatical que permitam desenvolver ideias de maior complexidade (grifo nosso) – tão caras a uma sociedade que almeja evoluir.

A falta de empenho em ler uma gama diferenciada de leituras e compreender estruturas gramaticais mais complexas, como também, de ter acesso a vocabulários pertencentes à vasta produção intelectual vernácula pode dificultar o domínio de certos assuntos e, de igual modo, que o leitor recorra a fontes terciarias; livros que apresentam de modo simplificado as ideias de certos autores, que tratam assuntos complexos como períodos históricos, ideologias e politica se tornam cada vez mais comuns em livrarias e, geralmente, são tão superficiais que não passam de boas introduções, quando não cheias de incoerências e ideias que não se conectam com as dos autores mencionados , portanto, nada oferecem ao leitor em matéria de real entendimento sobre o assunto. Ler as fontes primárias de onde tantos estudiosos constroem suas referências exige um leitor habituado com leituras de alta complexidade.

A gramatica deve ser revista? Sim, claro, já há gramatica escritas por linguistas e a discussão sobre a mesma esta longe de ter um ponto final, na verdade nunca deve ter, pois a língua sempre está em mudança; a língua não evolui ou regride, mas muda do mesmo modo como a sociedade passa por mudanças. Como diz Bagno, tomando, por exemplo, a obra do grande Monteiro Lobato:

Monteiro Lobato, que morreu em 1948, estava muito mais por dentro das noções da linguística moderna do que muito autor de gramática que está por aí. É espantoso que a figura do gramático autoritário e intolerante — ridicularizado por Lobato na personagem do professor Aldrovando Cantagalo, em seu delicioso conto “O colocador de pronomes”, de 1924 (!) — tenha voltado à cena neste fim de século, sob a roupagem enganosamente moderna da televisão, do computador e da multimídia.

Uma visão extremada que concebe a gramática como imutável não está presente nos escritos de grandes gramáticos ou linguistas, mas, sim, nos trabalhos de certos autores que falharam em entender as obras que tanto citam em seus livros. A gramatica deve ser analisada e discutida por pessoas doutas com larga produção cientifica, sejam linguistas ou gramáticos, através de argumentos precisos e claros, mas nunca, repito, nunca por leigos e ignorantes que utilizam da linguística para desculpar sua falta de estudo, aperfeiçoamento e dedicação. Ser poliglota na própria língua é ser versado e apto a usar o que é padronizado, formulado por doutos e grandes escritores, como também, saber utilizar do coloquial e informal onde ele se faz adequado, sem nunca soar caricato, mas, sim, como parte da compreensão linguística do falante.

BECHARA, Evanildo. O ensino da gramática. Opressão? Liberdade? 11. Ed. São Paulo: Ática, 2004

BAGNO, Marcos. Preconceito linguístico — o que é, como se faz, 49 ed. São Paulo, Loyola, 1999

BECHARA, Evanildo. Em defesa da gramática. Revista Veja

Carlos Alberto Chaves Pessoa Junior
Profesor de español/ English teacher
Articulista , palestrante e critico literário

Carlos Alberto Chaves P. Junior – jrchavesespanhol@gmail.com

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